Relato de Parto

Relato Ludmilla Dell’Isola.

Como veio ao mundo o Filho da Nossa Felicidade - Benjamin!

“É viva a memória. O choro alto, inaugurador da existência provocou o sorriso mais sincero que meus lábios já puderam desenhar. Recebi no colo o filho de minhas entranhas. Os pequenos olhos já sabiam me olhar. O amor não requer apresentações. Sabe-se na carne. Abracei com ternura o corpo que preparei dentro de mim. Senti naquela pequena estrutura viva o calor de minha profundidade. Ele era o meu menino.” (Padre Fábio, 2012, p. 16 – Mãe órfã).

Uma pergunta unânime acompanhou meus dias após o nascimento do Benjamin: como foi o seu parto? Eu também sempre gostei dos relatos de parto! Deixar que a natureza siga o seu curso dá nisso... Gera curiosidade na gente, porque é imprevisível, inusitado, para cada mulher uma sensação, um jeito, uma história. Acho que no universo das cesáreas eletivas, esse gostinho de mistério que vem da espera tem aguçado o paladar e os ouvidos das pessoas! Ficamos à espera do dia, da hora, da evolução dos fatos, das pessoas que estarão presente, da lua, dos tempos, das sensações, das dores, da natureza... Então, vamos ao meu (e só meu) relato de parto! Generalizações estão proibidas!

Algumas pessoas participaram comigo dessa aventura, outras já ouviram esse relato, outras ainda estão curiosas, e outros nem querem saber! Rsss... Se você está no último grupo, melhor nem continuar, porque eu não sei escrever resumidamente uma experiência tão rica em detalhes e ainda tão clara na minha memória! (Dizem que em pouco tempo não lembrarei direito de nada... E acho bom mesmo, senão o Benjamin será filho único! Rss... Então, é bom que eu escreva antes que eu comece a romantizar toda a experiência, depois de ver uns sorrisos deliciosos de um banguelo gordinho... rss)

Vou começar pelos primeiros... Aos que estiveram comigo, minha eterna gratidão! Cada um que participou foi essencial e especial! Aos meus pais, Romes e Eduarda Melo, que permitiram que eu vivenciasse esse momento no aconchego do nosso lar, e cuidaram de tudo com tanto carinho! Ao meu amado esposo, Rafael Almada, obrigada pela sua presença protetora e seus olhares repletos de cuidado e força, e, principalmente, por me dar um filhote tão lindo, com a sua carinha! À minha irmã, Jéssica Dell'Isola, que esperou comigo cada contração e mergulhou nesse momento de uma maneira tão intensa e bonita, me observando e me dando força com o seu jeitinho discreto. À querida amiga Denyele Carvalho, que tornou meu período latente gostoso, alegre e cheio de histórias de uma parideira de dar orgulho e inspirar qualquer mulher!! Às minhas amigas Luanda Calábria, Maria Augusta Silvestre e Uanisleia Lima , a presença de vocês me trouxe toda a segurança e tranquilidade que eu precisava! Minha querida obstetra, que me acompanhou, ajudou, cuidou, compartilhou cada momento da minha gestação, e durante o parto, com seu jeitinho meigo e olhar confortante me dizia: está tudo bem... continue assim! Como é bom estar com você, Lu! Gutíssima, minha doula... (suspiros) Aiii Guta! Suas mãos, seu olhar e suas palavras em tom baixo e doce ficarão eternamente gravados na minha memória! Foram os estímulos essenciais para que eu continuasse! Uanisleia, minha amiga, o Benjamin já sabia quão importante seria a sua presença! Ele te esperou! Nós te esperamos! Muito obrigada por ter vindo, apesar de todos os malabarismos que precisou fazer! Seu carinho e apoio foram fundamentais para que toda a dor tomasse o rumo certo dentro de mim!

Aos que já ouviram e querem ler, e aos que ainda não sabem... o relato!

Confesso que no começo da gestação pesou sobre meus ombros, pensamentos e coração o fato de ser doula! Quantas histórias eu já tinha acompanhado, quanto eu já havia estudado! E se não der certo? E se eu não conseguir? E se acontecer tal coisa? E se eu não aguentar a dor? E se e se e se e se... Até que alguém perguntou à Naoli: “de 0 a 10, quanto dói?”, e ela respondeu: “Onze!”. Vixi Maria! Se a Naoli, que é a Naoli, respondeu isso... o que será de mim, uma mera mortal na humanização do parto?! Pois bem, resolvi desencanar dessa história toda e me fortalecer na ideia de que eu estaria aberta ao natural, da forma como fosse, e pronto! A partir disso parei de ficar pensando como seria, como não seria, o que aconteSeria! Eu queria a realidade que me aguardava e isso foi muito gostoso! ‪‎desencanar‬ ‪surpreender‬-se.

Eu aprendi durante os nove meses de gestação que os palpites de quando o bebê vai nascer é um ótimo teste projetivo! Tem a ver com quem diz, mas nada a ver com a gestante e o bebê em questão. Então, relaxa e curte a brincadeira! Para os ansiosos, já era pra ter nascido, porque tá gordinho, porque a barriga não tem pra onde crescer, porque vai ficar grande demais e não vai sair, porque ele está apertado, porque a gestante não aguenta mais! Os mais tranquilos: “ihhhh, vai longe isso aí viu... pode esperar!”. Enfim, minha intuição seguia meu misticismo... 40 semanas no dia da virada de lua cheia?! Ahh... bingo! Vai ser nesse dia! Rsrs... Mas, sinceramente, eu não estava nem aí... Eu queria agir de acordo com o que acontecesse... Sem planos!

Com 38 semanas comecei a sentir as contrações de treinamento... Nenhumazinha dor! Só as contrações! Depois que fiz 39 semanas, comecei a sentir algumas coliquinhas... Mas pouquíssimas. Com 39 semanas e 5 dias, acordei para ir ao banheiro pela quinta vez na noite e quando voltei a dormir, às 5h da manhã, senti uma dor mais forte. Parei e pensei.. “Opa... essa foi meio forte, heim!?” Mas vamos dormir... Depois de pouquinho tempo, outra contração fortinha, e depois outra... e outra! Baixei o aplicativo no cel e comecei a acompanhar. Durante uma hora, contrações com intervalo de 7, 8, 6 minutos. Avisei a Lu e a Guta, e fui para um banho quente... Daquele que vai ou racha! Rss...

E foi! As contrações continuaram... Liguei para o Rafa, que estava em Ribeirão! Pedi que ele viesse com calma, porque estava tudo muito tranquilo! Fiz o café da manhã... Comi e conversei com os meus pais, pedi que eles fossem trabalhar... Afinal de contas, não sabíamos como seria e poderia demorar horas ou dias naquele ritmo. Uma coisa eu fazia questão: em cada contração era uma concentração: parar, respirar, sentir...concentração‬ ‪instrospecção‬

Às 8h eu estava em um novo banho... A Deny chegou, minha irmã voltou da faculdade e ficamos quase a manhã toda conversando, rindo e (des)contraindo. Foi muito gostoso esse momento! Contrações de 4 em 4 minutos... um pouco fortes, mas muito muito suportáveis! É engraçado como a gente vai aprendendo a lidar com elas. A primeira dor mais forte é beeem dolorida, mas depois não passa de uma cólica. É como dizer: “prazer, contração. Vamos juntas nessa!”. Nessa hora eu já estava sem roupa alguma... Eu queria sentir meu corpo e ficar de boa! Lembro-me de pensar o quanto aquelas contrações me ajudavam a entender que em breve eu teria um bebezinho para eu cuidar e o quanto uma cesariana pode ser cruel pela instantaneidade dos fatos! Psicóloga do desenvolvimento pensa no processo!! rss .. Eu estava gostando de viver aquele momento de espera...

O Rafa chegou VOANDO antes das 11h! Com a chegada dele eu me desconcentrei um pouco e as contrações ficaram mais espaçadas... Então, resolvemos deitar e reconcentrar. Aí veio uma contração muuuito forte! Fui correndo para o chuveiro! Eram 12h30. Ô delícia! Eu estava lá... feliz da vida... As contrações já estavam bem mais fortes, mas suportáveis. Eu diria até que estavam gostosas! Estávamos amiguinhas! A Uani perguntou por whats o intervalo delas, e o Rafa começou a marcar. O intervalo entre elas era de um minuto e meio. Noooossa! Eu juro que assustei! Bem curtinho o intervalo. Podia chamar a equipe né!? A Lu já iria me avaliar às 13h. Eu iria esperar a avaliação dela para chamar a Guta e a Uani, mas nessas circunstâncias, achamos melhor que elas já viessem.

Chegaram as três praticamente juntas... é o que lembro! A Lu me avaliou e eu senti que os dedinhos dela se abriram um tanto bom... Eu não queria saber o quantitativo... só o qualitativo. E ela me disse: “está ótimo, fase ativa! Muito bom!”. Beleza! Era o que eu precisava saber! E a partir dessa hora tudo mudou... a dor mudou, a intensidade, o meu controle... Eram 13h.

Lembro que a Guta e a Uani ficaram comigo no quarto da minha mãe, mas as lembranças já são mais turvas a partir desse momento. Meu pai, o Rafa e a Jesquinha estavam arrumando a piscina. A Guta e a Uani me ajudando a respirar e a relaxar... Elas seguravam minha mão, eu apoiava na bola de pilates e rebolava... Era o que me ajudava!

Fui para a piscina, mas eu não conseguia sentar ou relaxar na água... A dor já não era cólica como antes... Era uma dor mecânica... Dos ossos, na minha lombar e bacia! Eu sentia que ele estava descendo! Ouvi, bem de longe, o Terço da Misericórdia! Minha mãe estava rezando... e isso me acalmou. Voltei para o chuveiro e uma nova avaliação da Luanda. 15h30: dilatação completa e ele estava mais baixo. Eu pensei... “Nossa... vai demorar ainda”, mas fiquei feliz com a dilatação total, afinal de contas tinha sido rápido!

Voltamos à piscina... Eu não tinha mais posição. Comecei a sentir outra dor... Diferente! Já era uma ardência. A cada contração, eu ficava de cócoras na piscina, com a ajuda da Guta e da Uani. Lembro-me de tudo dentro de mim... E alguns flashes fora! Dentro de mim um turbilhão de sensações e muita dor, e eu fechava os olhos para conseguir senti-las! Meus olhos fechados guiavam meus movimentos... agachava, levantava, levantava uma das pernas. E eu me lembrava das gestantes que já tinha acompanhado... das histórias... e do que eu falava para elas... talvez serviria para mim também! “É uma contração de cada vez” “É só hoje... não vai durar para sempre!” “O meu filho está chegando”! Apesar de estar sendo tudo rápido, estava tudo muito intenso, e a Guta me ajudava a descansar 30 segundos, entre uma contração e outra! De fora de mim, vi a posição e o olhar do Rafa, da Jessica e da Lu. Eu não queria que me encostassem... Só o apoio das mãos e o olhar da Guta, que me fazia voltar pra dentro! Às vezes eu pedia água gelada, nada mais! Era muito claro para mim o que eu queria e precisava! Minha concentração era tão grande que ninguém se atreveu a tirar uma única foto... em nenhum momento do trabalho de parto! Tudo ficará gravado somente em nossas memórias!

Lembro que comecei a falar que a dor estava diferente, que estava ardendo e ele (o Benjamin) estava ali! Aos poucos, fui sentindo que o Benjamin estava nascendo. E realmente estava... Perguntaram se eu gostaria de colocar a mão para senti-lo, mas eu não quis, porque já estava sentindo ele. Pedi que chamassem a minha mãe. A vontade de fazer força vinha de uma forma incontrolável em cada contração! Eu não conseguia não fazer força! Senti o círculo de fogo! Quando saiu a cabecinha dele foi um alívio, mas eu queria que o puxassem, apesar de saber que não iriam fazer isso! Rsrs... A gente fala cada coisa nessas horas! Rsrs...

16h: Então, esperei mais uma contração e gritei por puro instinto, e ele nasceu! A Lu pegou, passou pra Uani, que me deu o pequeno e lindo Benjamin! Ainda pegando aquele corpinho todo molinho, eu disse: “Ele é a cara do pai dele!”. E ouvi o choro dele misturado ao da minha mãe! Comecei a consolar o meu bebê e ele parou de chorar! Deitei na minha cama embriagada de hormônios e amor! Que delícia ver aquele rostinho, as mãozinhas, os olhinhos abertos, espertos! Logo ele começou a mamar... Fez a pega certinha nos dois lados, e mamou durante uma hora! Um momento único em nossa vida! Tê-lo em meios braços, no meu corpo, quentinho, mamando... Emocionante!!!

Algumas cólicas para a saída da placenta. Obviamente não se compara às dores que acabaram de passar... Mas qualquer dor depois de tudo isso parece insuportável! Então, a gente respira e passa por mais uma! Depois que a placenta saiu e o cordão umbilical parou de pulsar, o Rafa cortou o cordão e continuamos juntinhos, nós três, até que o Rafa o levou para pesar, limpar e colocar roupinha. Eu passei para a terceira fase. Para tanta intensidade, uma laceração considerável! Foi o ônus do bônus! E a fase dos pontinhos também foi de muita respiração e paciência... É estranho como esse tipo de dor, que vem de fora, parece ser pior do que a dor que vem de dentro!

Foi tudo muito rápido, intenso e gostoso de viver! Ainda estou elaborando a minha história, o meu parto, o meu pós-parto, as minhas dores e alegrias! A intensidade do trabalho de parto é uma prévia da intensidade que será o pós-parto! Para mim, foi essencial viver esse rito de passagem!

Tentei expressar de uma forma natural e real a experiência que eu tive!! É maravilhoso vivenciar tudo isso, mas não é romântico... É selvagem, forte, intenso, humano, natural! Padre Fábio de Melo deve ter tido algum parto na vida pra dizer tão bem disso: “No nascimento, só a expulsão cessa a dor. O menino que deliza pelas pernas arranca consigo as agonias da carne. Era ele o espinho que magoava o corpo. Mas a mágoa é bem-vinda. Todos sabem. Toda forma de nascimento é um milagre em si. Nascimento é superação de sombras. É quebra de crepúsculo. A contração derradeira acende no temporário dos olhos o definitivo da luz. Expulso o invasor, o hospedeiro é abandonado pela febre.” (Padre Fábio, 2012, p. 16 – Mãe órfã).

Minha grande alegria é saber que nós três – eu, o rafa e nosso bebê – fomos respeitados em tudo, que meu filho chegou ao mundo cercado de amor e que ele pode provar isso desde o comecinho da sua vida aqui fora!

Obrigada, Benjamin, por ter chegado de uma maneira tão linda, por preencher o meu coração de amor e me ensinar a ser mãe! Eu amo você! Obrigada, meu amado Deus, pela sua natureza tão sábia, pela força, coragem e amor!

Finalizo com a frase que me preparou na gestação e ecoou dentro de mim durante todo o trabalho de parto: “Se você amar até doer, não haverá mais dor, somente amor”. Madre Teresa de Calcutá